Musa da modernidade.
“O pano se levantou e eu vi a Grécia, não a Grécia livresca dos sonetões de Bilac que toda uma subliteratura ocidental vazava para a colônia inerme. Eu vi de fato a Grécia. E a Grécia era uma criança semi-nua que colhia pedrinhas nos atalhos, conchas nas praias e com elas dançava. O cenário único duma só cor abria-se para vinte séculos de mar, de montanhas e de céu. E do fundo duma perspectiva irreal, as sombras da caverna platônica tomaram a carne virginal de Ifigênia para ressuscitar a realidade única. A voz do piano arquiteturava Gluck. Essa mulher é alga, sacerdotisa, paisagem.”
Assim escreveu Oswald de Andrade quando viu Isadora Duncan dançar no Teatro Municipal no Rio de Janeiro e em São Paulo em agosto de 1916. Sua semi-nudez e sua dança livre arrebataram o público e a crítica. Ela vinha de uma turnê pela America do Sul sendo mal recebida em Buenos Aires por intensa campanha movida pelo clero.
Aqui a crítica recebeu-a com calorosos elogios: “Todas as apresentações tiveram numeroso público; aplausos contínuos e intermináveis e entusiasmados “bravos” e pedidos de “bis”, concedidos com carinho e emoção a maravilhosa Isadora. Deu-se o caso curioso do público não querer retirar-se do teatro. Ninguém desejava apartar-se da beleza.”
O poeta João do Rio a chamava A Divina. Gilka Machado também lhe escreveu poemas e depois compara sua filha Eros Volusia à Isadora chamando-a de a Isadora Brasileira.
“Isadora trouxe à dança universal a humanização, a reflexão, a madureza, a linguagem comunicativa do movimento interior e seus processos estão até hoje incorporados ao patrimônio da velha escola que deles se apossa, muito embora persistam em nega-la os adeptos do classicismo.” (Eros Volusia)
Foi influencia forte para Nina Verchinina, grande bailarina e coreógrafa que chegou no Rio de janeiro com a Cia do Colonel De Basil, o Original Ballet Russe, e aqui ficou desde 1946 até sua morte em 1995.
Isadora foi a pioneira da dança moderna.
Nasceu em São Francisco, Califórnia em 1878. Desde cedo anunciou seu desejo de dançar. Acompanha cursos de dança acadêmica mas logo recusa o sistema, declarando que quer criar uma dança de acordo com seu temperamento.
Desde o início — escreveu — apenas dancei minha vida.
Gestos naturais, andar, correr, saltar, mover os braços naturalmente, reencontrar o ritmo dos movimentos, inatos, humanos, perdidos há anos, escutar as pulsações da terra, obedecer “à lei da gravitação”, feita de atrações e resistências, consequentemente, encontrar uma ligação lógica, onde o movimento não para, mas transforma-se em outro, respirar naturalmente — eis o seu “método”.
Ela transmite um lirismo incontestável, uma grande riqueza vital e, finalmente, o natural, que a velha Europa acolheu como uma nova mensagem. Isadora parte para a conquista da Europa, examina atentamente as coleções gregas do Brithish Museum onde descobre Homero.
“Vim à Europa, para provocar um renascimento da religião através da dança, para exprimir a beleza e a santidade do corpo humano pelo movimento”.
Não é por acaso que o movimento preferido de Isadora era o de jogar a nuca para trás. Este pode ser visto em cenas do rito dionisíaco em toda a arte grega: é o movimento de transe que proclama ter sido o corpo possuído por uma inspiração sobre-humana.
Temos em vários países seguidoras de Isadora que perpetuam sua obra . Julia Levien que foi aluna de Irma e Ana Duncan discípulas de Isadora publica um livro em que nos fala da importante contribuição de Isadora na educação das crianças. Sua escola aberta para todas as crianças de todos os níveis econômicos, defendia a arte como parte integral do currículo e a ideia de que as crianças devem experimentar seu corpo através dos movimentos da dança como um caminho para o aprendizado.Isadora antecede com a abertura de sua escola em Grunewald, Berlim todos os que propunham este pensamento, Steiner, Dalcroze, Maria Montessori, Shaw.
Lori Belilove, Andrea-Mantell, Julia Levien , e no Brasil Marília de Andrade, Fatima Suarez e me incluo são artistas que pesquisam a obra de Isadora, recriando suas coreografias e fazendo outras com a essencia e movimentos de sua obra.Béjart, Frederick Ashton também criaram coreografias revivendo Isadora.
“A dança moderna irá variar bastante mas em todas as suas manifestações ela ainda é a técnica de Isadora racionalizada, esvaziada do romantismo e misticismos vitorianos e ampliada pela época de avanços e com a multiplicidade de forças criadoras que ela produziu. Não falamos mais de “desejo de beleza” mas criamos a nossa arte à partir do mesmo impulso interno” — John Martins– crítico de dança New York Times.