Eliana Caminada ou “A menina dos olhos de esmalte”

A bai­la­rina Eliana Caminada faz parte da his­tó­ria da dança bra­si­leira, por seus mui­tos anos de dedi­ca­ção e tra­ba­lho junto ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, principalmente.

Mas tam­bém fez car­reira no Ballet Guaíra, no período em que o mes­tre Eric Valdo (seu marido) diri­giu a com­pa­nhia. Naquele momento sur­giam enor­mes talen­tos e tem­po­ra­das impor­tan­tís­si­mas, a com­pa­nhia esta­tal do Paraná firmou-se defi­ni­ti­va­mente no cená­rio nacional.

Se hoje Eliana é uma mes­tra em his­tó­ria da dança, uma das artis­tas mais inte­li­gen­tes e sabe­do­ras que conhe­ce­mos, tudo isso foi for­jado com anos de dedi­ca­ção e amor pela arte. Hoje somos gran­des e que­ri­dos ami­gos, mas quero con­tar pra vocês a pri­meira vez que vi Eliana Caminada ao vivo, um epi­só­dio mar­cante e muito bonito.

Eu era aluno do Curso de Danças Clássicas da Fundação Teatro Guaíra, ini­ci­ando meus pas­sos na car­reira, no apren­di­zado, absor­vendo todas as infor­ma­ções que me che­ga­vam com entu­si­asmo e enorme boa von­tade. Era ali pelo ano de 1981, eu con­tava quase um ano de apren­di­zado na escola, Caminada já era uma grande bai­la­rina com uma sólida e esta­be­le­cida car­reira, junto às com­pa­nhias que citei e con­vi­dada de outras tantas.

Coppélia com Bujones

Eliana Caminada, Fernando Bujones e Studio D. Coppélia ato III.

Pois foi então que o Studio D, diri­gido por Dora de Paula Soares e Hugo Dellavale mon­tou o bal­let Coppélia (ou “A menina dos olhos de esmalte”), e con­vi­dou nada menos do que Eliana Caminada e Fernando Bujones pra estre­la­rem essa tem­po­rada. Fernando seria meu dire­tor e grande amigo anos depois, já no Ballet do Theatro Municipal. E foi ali, nessa mon­ta­gem, que me apai­xo­nei pela arte de Eliana Caminada.

Não ape­nas sua téc­nica pre­cisa, físico bonito e român­tico, mas sua maneira de expres­sar tudo isso me hip­no­ti­zou como um golpe. Seu rosto deli­cado, doce, com enor­mes olhos muito expres­si­vos sal­ta­vam do palco até a última fila do Guairão. Era uma ale­gria vê-la dan­çar, e creio que assisti a todas as réci­tas dessa tem­po­rada de Coppélia.

A peralta Swanilda inter­pre­tada por Eliana fez his­tó­ria, pois esse papel exige, além da téc­nica clás­sica apu­ra­dís­sima, uma qua­li­dade de atriz muito impor­tante. Qualidade essa que Eliana Caminada tinha de sobra, domi­nando todas as nuan­ces dessa obra tão bonita e impor­tante do bal­let clás­sico. E a dupla/dobradinha que ela criou com Fernando Bujones, que já era um dos bai­la­ri­nos mais impor­tan­tes do pla­neta naquele momento, fez his­tó­ria. Eles cri­a­vam fagu­lhas, faís­cas, nos emo­ci­o­nando, nos fazendo rir, nos enternecendo…

A vida tinha uma maneira um pouco menos cor­rida e mais roman­ce­ada do que hoje em dia. Parece que o mundo girava um boca­di­nho mais len­ta­mente do que agora, na era da inter­net. E isso cer­ta­mente se refle­tia nas artes, havia mais qua­li­dade, entrega, uma aura de res­peito e dedi­ca­ção pelo ofí­cio. Que exis­tem hoje, mas de forma dife­ren­ci­ada, cer­ta­mente, e em menor qua­li­dade. A quan­ti­dade tomou um pouco as rédeas da coisa.

Mas o mundo não pára, e tenho a feli­ci­dade de ter viven­ci­ado esse tempo onde tudo andava mais len­ta­mente, cri­ando tempo e espaço pra pres­tar­mos, de ver­dade, aten­ção às coi­sas. Onde a ARTE era mais impor­tante do que exe­cu­tar mui­tas piru­e­tas. Como e porquê fazê-las con­tava mais do que o número, a quan­ti­dade. E acre­dito que isso deve­ria ser sem­pre a meta de qual­quer artista bai­la­rino, em qual­quer tempo.

Agradeço às tan­tas e lin­das memó­rias que trago, aos momen­tos mági­cos que viven­ciei. Aos mag­ní­fi­cos artis­tas que pude ver em cena, e que cer­ta­mente fazem parte do que sou hoje. Momentos e expe­ri­ên­cias que me for­ja­ram como homem e como artista. Sou imen­sa­mente grato por isso. E aqui, em público, mais uma vez, agra­deço à essa mag­ní­fica artista, minha amiga Eliana Caminada!

Por: Manoel Francisco – atua como maitre de ballet e repetiteur junto ao Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e como convidado de festivais e companhias nacionais e estrangeiras.

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